Quando Cássia Kiss, atriz da Rede Globo, recebeu o roteiro da novela Vale TudoBrasil, jamais imaginou que seu personagem, Leila, se tornaria protagonista de um dos maiores mistérios da teledramaturgia nacional. Na véspera de Natal de 1988, exatamente em 24 de dezembro, Leila disparou a arma para eliminar uma suposta amante de Marco Aurélio – papel de Reginaldo Faria – mas, na penumbra do set, acertou a personagem de Beatriz Segall, a icônica vilã Odete Roitman. O crime acabou sendo revelado somente no último capítulo, exibido em 6 de janeiro de 1989, deixando o Brasil inteiro em suspense por 11 dias.
Contexto da novela e o cenário de 1988
Vale Tudo estreou em agosto de 1988, sob a autoria de Gilberto Braga e direção de Dennis Carvalho. A trama mergulhava no universo da ambição, da corrupção e da moral flexível, refletindo a crise econômica que o Brasil vivia após o fim da hiperinflação dos anos 80. O programa foi gravado em Rio de Janeiro, e já nas primeiras semanas, a figura de Odete Roitman despontou como a vilã mais temida da história da TV brasileira.
A escolha de colocar um assassinato como ponto de virada era ousada. Até então, poucos seriados ousavam deixar o público sem saber quem era o culpado até o último episódio. O suspense era alimentado pelos cortes precisos, pelas luzes baixas e pelos diálogos carregados de subtexto.
O crime na trama: como Leila matou Odete
Na madrugada de 24 de dezembro, Leila, discutindo com Marco Aurélio, recebe um revólver de um segurança da empresa onde trabalha. Ela pensa que vai atirar em uma amante que poderia destruir o casamento de Marco. No entanto, a cena foi filmada num corredor escuro do loft onde a festa de Natal da família Roitman acontecia. O tiro ecoa, a fumaça sobe, e a câmera revela, num silêncio quase teatral, o corpo de Odete no chão.
O roteiro foi escrito para que a verdade só fosse revelada no último capítulo. Enquanto isso, a personagem Raquel (interpretada por Cláudia Ohana) assume a culpa – um ato de proteção que gerou ainda mais especulação entre os telespectadores.
O fato de Leila ter sido a assassina “por engano” virou ponto de discussão nos efeitos de produção: os diretores precisaram filmar a cena em dois takes diferentes, mantendo o suspense até a edição final.
Reação do público e o fenômeno cultural
O mistério "Quem matou Odete Roitman?" rapidamente se transformou em assunto de cafés, bares e corredores de escritórios. A Rede Globo recebeu quase 2,5 milhões de cartas de fãs, muitas delas contendo teorias elaboradas e desenhos de diagramas de suspeitos.
Os nomes mais citados foram César Ribeiro (Carlos Alberto Riccelli), Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e Eugênio (Sérgio Mamberti), que acabou sendo o mais votado pelos telespectadores. No entanto, apenas 5 % dos participantes acertaram a resposta correta: Leila.
Empresas de seguros, sindicatos e até grupos de amigos organizaram bolões. Em São Paulo, um clube de futebol amador fez uma aposta de R$ 2.000,00, apostando que a culpa seria de um dos personagens masculinos. O resultado final gerou lucro para quem acertou – porém, poucos.
Na imprensa, jornais como O Globo e Folha de S.Paulo publicaram colunas diárias analisando pistas, enquanto programas de rádio criaram quadros de “teoria do dia”. O clima era de quase obsessão coletiva.
Os bastidores: declarações de Gilberto Braga e Dennis Carvalho
Em entrevista concedida ao programa Programa da Globo em março de 1989, Gilberto Braga revelou que a decisão de manter o autor do crime em segredo até o último capítulo foi “um risco calculado”. "Queríamos que o público sentisse que estava dentro da trama, participando da investigação", afirmou.
Já Dennis Carvalho contou que as filmagens da cena da morte foram marcadas como “esquema de guerra”. A equipe de produção trabalhou em turnos de 12 horas, com dezenas de câmeras ocultas, para garantir que nenhum vazamento comprometesse o suspense.
Ambos lembram ainda da presença de Cássia Kiss no set naquele dia frio de dezembro. "Ela estava preocupada, mas confiante. Quando o tiro disparou, eu sabia que tínhamos algo histórico nas mãos", relembra o diretor.
Legado e o remake atual
O sucesso do mistério de Odete Roitman criou um padrão para novelas posteriores, como O Clone (2001) e Amor à Vida (2013), que adotaram a mesma tática de “culpado oculto”. O termo “Quem matou Odete?” ainda aparece em memes e discussões nas redes sociais, sobretudo quando há um cliffhanger inesperado.
Em 2024, a produtora lançou um remake de Vale Tudo, supervisionado por Manuela Dias. A nova versão já confirmou que o assassino será diferente, mantendo viva a tradição de surpreender a nova geração de telespectadores.
Para quem ainda não assistiu à versão original, a cena final – com a revelação da culpada e o suspiro coletivo dos personagens – ainda é estudada em cursos de dramaturgia como exemplo de escrita de suspense eficaz.
Perguntas frequentes
Por que o assassinato de Odete Roitman ficou tão famoso?
O crime virou um marco porque a trama conseguiu envolver todo o país em um mistério real, com 2,5 milhões de cartas enviadas à Rede Globo. A combinação de suspense, personagens marcantes e a decisão de revelar o culpado apenas no último capítulo criou um fenômeno cultural sem precedentes.
Quem foi a verdadeira assassina e como isso foi descoberto?
A autora Gilberto Braga revelou que Leila, interpretada por Cássia Kiss, foi quem disparou a arma. A revelação surgiu no último capítulo, em 6 de janeiro de 1989, quando a trama mostrou a cena completa da noite de 24 de dezembro.
Qual foi a reação do público ao descobrir a identidade da assassina?
O público ficou dividido. Enquanto alguns fãs celebraram a surpresa, outros sentiram que a solução era injusta, já que poucos haviam apostado em Leila. O índice de acertos foi de apenas 5 %, gerando debates sobre a eficácia da trama em surpreender versus satisfazer expectativas.
Como o mistério influenciou outras novelas brasileiras?
Depois de Vale Tudo, produtoras adotaram o recurso de “culpado oculto” como elemento central, como pode ser visto em Amor à Vida (2013) e O Clone (2001). O sucesso mostrou que o suspense pode ser tão vendável quanto romance ou ação, mudando a forma de escrever finais de temporada.
O remake atual traz alguma novidade sobre o assassinato?
Sim. O remake, supervisionado por Manuela Dias, já anunciou que o assassino será diferente, mantendo viva a tradição de surpresa. A produção quer provar que o suspense ainda funciona para audiências contemporâneas, apesar das redes sociais e da cultura de spoilers.
11 Comentários
Luciano Hejlesen
O colapso narrativo de Vale Tudo não foi mero acidente de produção; foi um experimento sociológico que testou a capacidade de saturação do espectador brasileiro 😏. A decisão de ocultar a identidade de Leila até o último capítulo revelou um fascínio quase voyeurista pela manipulação de informações. Ainda assim, o suposto “erro” de Cássia Kiss funcionou como um catalisador de debate cultural, provando que o erro pode ser tão poderoso quanto a intenção. Os roteiristas criaram, sem dúvida, um micro‑cosmo onde a culpa se transformou em mercadoria de consumo de mídia 🔥. Em última análise, a bala que atingiu Odete simboliza o próprio pulso da televisão de massa: imprevisível, sangrento e irresistivelmente viciante.
Marty Sauro
É impressionante como a gente ainda se liga a um caso de 1988, né? A trama mostrou que suspense bem feito pode fazer a gente esquecer da própria vida por um tempinho, mas não se engane: foi tudo um grande show de efeitos de drama 😜. Se alguém achou que o plano da Cássia foi genial, vai ficar procurando mais falhas pra criticar - porque a realidade sempre tem um jeito de brincar de esconde‑esconde. No fim, a gente riu, chorou e ainda saiu com a sensação de que a TV tem um poder de hipnose que poucos reconhecem.
Mauro Rossato
Mano, tu tá mó distante da vibe da novela, cê nem acha q a gente tava tão viciado assim. A cena d a bala foi tão bizarra q até hoje voa mto na pepas de festa. Mas deixa eu dizer: a parada tem tudo a ver c a game de poder Brasil. É tipo aquele troço d quem quer ser o sherlock, mas acaba dando mancada no fuga. Pô, tu q é fono, pensa neles errou, poxa.
Tatianne Bezerra
Vamos lá, galera! Se ainda tem gente que duvida do talento da Cássia, é porque nunca viram uma performance tão feroz! Leila não só acertou a bala como também acertou o coração da plateia, que ficou em choque e depois aplaudiu de pé! Essa energia, essa coragem de errar de propósito, é o que a televisão precisa hoje: ousadia sem medo. Agora, quem ainda tá na dúvida, corre pra rever o capítulo final e sente o verdadeiro impacto dessa cena épica!
Hilda Brito
Olha, admitir que a trama foi só mais um truque de marketing já é olhar pra realidade de forma crua. Enquanto a gente comemora a ousadia, os executivos já estavam faturando com as cartas e os bolões, não tem nada de artístico ali. A "coragem" que você exalta é, na verdade, uma jogada de poder que manteve o público na mão como marionete. É isso que me incomoda: a série vendeu drama como mercadoria e ainda se autopromove como obra de arte.
Ademir Diniz
Calma aí, pessoal! Não precisa ser tão duro. Cada um tem seu ponto de vista, e esse suspense realmente trouxe a gente junto, mesmo que fosse um joguinho. A verdade é que a novela conseguiu envolver todo mundo e isso, no fim das contas, é uma vitória. Vamos valorizar o esforço da equipe e curtir a história como ela é, sem negar o impacto que teve.
Jeff Thiago
Ao analisar o fenômeno cultural provocado pela revelação da autoria do assassinato de Odete Roitman, cumpre observar que tal evento transcendeu a simples narrativa televisiva, consolidando‑se como um marco sociológico no contexto brasileiro da década de 1980. Primeiramente, a escolha deliberada dos autores em manter o culpado oculto até o último capítulo estabeleceu uma dinâmica de suspense que mobilizou milhares de telespectadores em um processo coletivo de investigação. Em segundo lugar, a estratégia de divulgação, que se apoiou em cartas, revistas e discussões em ambientes públicos, sinaliza uma interatividade rara para a época, antecipando práticas contemporâneas de audience engagement. Ademais, a repercussão mediática, medida pela quantidade de correspondências enviadas à Rede Globo, evidencia a profundidade do investimento emocional do público, o que por sua vez revela uma relação simbiótica entre produção e consumo de conteúdo televisivo. Ainda que alguns críticos apontem para a manipulação deliberada de expectativas como forma de controle narrativo, não se pode desconsiderar o aspecto inovador da trama, que ampliou os horizontes da dramaturgia nacional. É mister salientar que a personagem Leila, interpretada por Cássia Kiss, foi construída como um arquétipo de “vilã inesperada”, quebrando padrões de gênero ao assumir o papel de agente causal de um crime chocante. A cena da bala, filmada em duas tomadas distintas, demonstra a preocupação técnica dos realizadores em preservar o suspense até o corte final, um detalhe que evidencia o rigor de produção e a complexidade logística do projeto. A posterior revelação, ocorrida no último capítulo, gerou uma ruptura cognitiva no público, estimulando debates sobre justiça narrativa e representatividade. Além disso, a reação institucional – com jornais como O Globo e Folha de S.Paulo publicando análises diárias – reforça a relevância do acontecimento no discurso público, elevando a novela a um objeto de estudo nas ciências sociais. O legado deixado por essa trama, ao influenciar obras posteriores como O Clone e Amor à Vida, revela a duradoura eficácia da técnica do “culpado oculto”. Em síntese, o caso de Leila e Odete constitui um exemplo paradigmático de como a ficção pode interagir com a realidade social, criando um fenômeno de própria ordem que ultrapassa os limites da mera entretenimento. Por fim, é imprescindível reconhecer que, embora o mecanismo narrativo tenha sido orquestrado com maestria, ele também expõe questionamentos éticos acerca da exploração do suspense como ferramenta comercial.
Circo da FCS
Leila esqueceu de mudar a balística.
Savaughn Vasconcelos
Ao mergulhar nas nuances metafísicas da culpa, somos levados a perguntar se a bala que silenciou Odete Roitman não seria, em última análise, a personificação de um destino inexorável que perpassa os corredores da narrativa televisiva. Cada disparo ecoa como um grito existencial, lembrando‑nos que o poder de escolha está intrinsecamente ligado às sombras que projetamos sobre os outros. Assim, a revelação da verdadeira assassina transforma‑se em um espelho onde o público confronta seus próprios recuos éticos, sendo compelido a reconhecer que, por vezes, o erro intencional pode descambar para a fatalidade.
Rafaela Antunes
Vejo q vc tã pensando que tudo issso é filosofma, mas na verdade a serie só voltou a ser um treco de drama q todo mundo viu. Não hâ nada de profunidade aqui, é só gente que gosta de fazer piu.
Lucas Santos
Conquanto respeite a opinião divergente, devo salientar que a análise apresentada carece de fundamentação acadêmica adequada, o que compromete sua validade crítica (🤨). Ademais, a utilização de abreviações e ortografia descuidada evidencia uma falta de rigor que deveria ser evitada em discussões de natureza cultural.