A lenda do haka como símbolo cultural da Nova Zelândia ganhou um novo capítulo, agora ligado ao cenário político. Recentemente, em uma sessão parlamentar eletrizada, Hana-Rawhiti Maipi-Clarke, uma influente parlamentar do Partido Maori, surpreendeu ao utilizar a dança tradicional do seu povo como forma de protesto. Diante de um projeto de lei apresentado pelo partido ACT New Zealand, que pretende reinterpretar o Tratado de Waitangi, Maipi-Clarke e outros membros do Parlamento decidiram se expressar através de um ato de resistência cultural: o haka.
O Tratado de Waitangi é uma pedra angular da sociedade neozelandesa, assinado em 1840 entre os maoris e a Coroa Britânica. A sua importância não só reside nos direitos concedidos aos povos indígenas, mas também em sua interpretação contínua ao longo dos anos, que se integra nas políticas públicas e legislativas do país. Propor uma reinterpretação, como faz o partido ACT, acendeu um pavio de inquietação entre os maoris e seus simpatizantes, compondo cerca de 20% da população total do país. Enxergar o projeto de lei como uma subversão de direitos conquistados levou a comunidade a se manifestar de forma marcante e emblemática.
Mais do que uma simples dança, o haka é uma forma poderosa de expressão, utilizando movimentos intensos e gestos enfáticos para transmitir emoções profundas, respeito, e às vezes, confrontação ou oposição. Existem vários tipos de haka, cada um com seu contexto e significado. Originalmente utilizado em tempos de guerra para preparar os guerreiros ou intimidar o inimigo, hoje ele compõe cerimônias, celebrações e até entra em campo junto ao time de rúgbi da Nova Zelândia, os famosos All Blacks.
Durante a sessão do Parlamento, Maipi-Clarke e outros aliados tomaram o centro do recinto. Ao som de seus cantos e energia contagiante, rasgaram uma cópia do projeto de lei como um gesto contundente de desaprovação. Inspirados pelas famosas passagens do haka como 'Ka mate, ka mate, ka ora, ka ora', uma composição do Chefe Ngati Toa Te Rauparaha, eles expressaram seu forte descontentamento. A tradução desses versos para 'Eu morro, eu morro, eu vivo, eu vivo' sugere a resiliência e a determinação dos manifestantes maoris frente às ameaças percebidas.
Este ato foi muito além de uma simples manifestação; destacou o haka não apenas como um símbolo de identidade cultural, mas também como uma ferramenta política de resistência e solidariedade. A escolha de um meio de expressão tão profundamente enraizado na cultura Maori ressoou poderosamente entre os neozelandeses, capturando não só a atenção doméstica, mas também a internacional. O uso do haka na política não tem sido uma prática comum, e por isso mesmo, ressoou com tanta eficácia no cenário atual.
Até o momento, o projeto de lei aprovado na sua primeira leitura ainda precisa percorrer um caminho legislativo árduo. As tensões entre aqueles que acreditam na proteção dos direitos indígenas e os que buscam revisitar antigos acordos demonstram a contínua relevância e complexidade das questões históricas dentro da Nova Zelândia moderna. O que se desenrola agora nos bastidores políticos e culturais do país é um ballet complicado que revela a profunda interseção entre tradição, direitos e governança. O haka, em sua essência, é um lembrete para a nação e para o mundo de que a identidade cultural e os direitos são tesouros que não podem ser facilmente renegociados ou esquecidos.
Assim, à medida que a Nova Zelândia avança para decidir o destino desse projeto de lei, a dança continua a ecoar, não apenas como protesto, mas como uma celebração da continuidade e resistência de uma cultura. O haka nos lembra que, na dança da política, as expressões mais profundas frequentemente transcedem a linguagem falada, unindo comunidades pela presença, emoção e ação compartilhada. É um testemunho do espírito indomável dos povos Maori, e um alerta aos legisladores de que qualquer mudança no Tratado de Waitangi não só altera documentos mas também vidas.