Quando Wellington Dias, ministro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) ordenou a devolução de R$ 478,8 milhões que foram pagos indevidamente a 177.400 famílias, o país recebeu um sinal de que a auditoria pós‑pandemia está realmente em marcha.
Contexto histórico do Auxílio Emergencial
O Auxílio Emergencial nasceu em abril de 2020, por meio da Lei nº 13.982, como resposta rápida à crise provocada pela Covid‑19. Na época, o governo federal – então presidido por Jair Bolsonaro – destinou quase R$ 115 bilhões em apenas dois anos, atingindo milhões de trabalhadores informais, desempregados e famílias vulneráveis.
Com o fim da emergência sanitária, os órgãos de controle identificaram que parte dos pagamentos havia atingido quem já recebia outros benefícios ou mantinha vínculo empregatício formal. Essa constatação desencadeou a elaboração do Decreto nº 10.990/2022, que estabelece as regras para a restituição dos valores indevidos.
Como a cobrança está sendo feita
Desde março de 2025, o MDS vem enviando notificações através de SMS, WhatsApp, e‑mail e do aplicativo Notifica. Cada cidadão tem 60 dias, a contar da data da mensagem, para devolver o dinheiro via Vejae, plataforma operada pelo PagTesouro. O pagamento pode ser feito por Pix, boleto bancário ou cartão de crédito, conforme orienta o Guia do Vejae.
O critério de priorização segue o artigo 7º do decreto: primeiro são cobrados os casos com maior valor a devolver e quem tem maior capacidade de pagamento. Assim, regiões com maior renda per capita, como parte do Sudeste, recebem notificações antes de estados mais pobres.
Um exemplo ilustrativo vem do Rio Grande do Norte. Segundo dados divulgados em outubro de 2025, 1.783 famílias do estado foram notificadas, representando cerca de R$ 9,2 milhões em valores a ser restituído.
Quem está isento da devolução
- Beneficiários do Bolsa Família;
- Inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal;
- Cidadãos que receberam menos de R$ 1.800,00 no total;
- Famílias com renda per capita de até dois salários‑mínimos (R$ 1.412,00 em outubro de 2025);
- Famílias com renda total mensal de até três salários‑mínimos (R$ 2.118,00).
Essas isenções foram pensadas para não penalizar quem realmente precisava do recurso durante a crise.
Reações e críticas
Os sindicatos de trabalhadores ainda se mostram cautelosos. Em entrevista ao Jornal da Manhã, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoas, José Carlos Pereira, comentou que "a iniciativa é legítima, mas o prazo de 60 dias pode ser impossível para quem acabou de perder o emprego".
Por outro lado, entidades de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) elogiaram a rapidez da ação. Em relatório divulgado em 22 de abril de 2025, o TCU ressaltou que a medida protege os cofres públicos e garante que os recursos destinados à assistência social sejam usados corretamente.
Especialistas financeiros também apontam um efeito colateral: a inscrição de inadimplentes na Dívida Ativa da União e no Cadin pode gerar entraves ao acesso a crédito futuro, sobretudo para microempreendedores.
Impacto nos beneficiários
Para muitas famílias, a devolução representa um revés inesperado. Maria da Silva, 38 anos, moradora de Fortaleza, contou que recebeu R$ 1.200 em 2021 e precisou usar o valor para comprar materiais escolares. "Agora me pedem de volta e eu ainda não consegui um novo emprego", desabafou.
Entretanto, há quem veja a oportunidade de regularizar a situação. O MDS disponibiliza a Ouvidoria via Fala.BR, onde o contribuinte pode negociar prazos ou até apresentar documentos que comprovem a situação de vulnerabilidade.
Segundo o relatório de arrecadação de outubro de 2025, 42% das notificações já foram respondidas, mas apenas 18% resultaram em pagamento efetivo. Essa taxa indica que ainda há um grande caminho a percorrer.
Próximos passos e perspectivas
O Ministério sinalizou que, após a quitação dos valores, pretende lançar um programa de capacitação financeira para os cidadãos afetados, em parceria com o Banco Central. A ideia é oferecer cursos gratuitos sobre gestão de recursos, crédito e empreendedorismo.
Além disso, o governo federal deve publicar, ainda em 2025, um novo decreto que endurece as regras de controle de benefícios emergenciais, evitando repetições de erros semelhantes no futuro.
Enquanto isso, a população acompanha de perto os canais oficiais do MDS, que continuam a divulgar FAQ atualizadas e a disponibilizar atendimento presencial nos Centros de Atendimento ao Cidadão ao longo de todo o território nacional.
Perguntas Frequentes
Como saber se minha família foi notificada?
A notificação chega por SMS, WhatsApp, e‑mail ou pelo aplicativo Notifica. Se você recebeu alguma dessas mensagens com o título “Devolução do Auxílio Emergencial”, verifique o valor indicado e siga as instruções do Guia do Vejae.
Quais são as consequências de não devolver o valor dentro do prazo?
O devedor será inscrito na Dívida Ativa da União e no Cadin, o que pode gerar restrição de crédito em bancos, financeiras e até impedir a participação em licitações públicas.
Posso parcelar a devolução?
Sim. O sistema Vejae permite o pagamento em até três parcelas via Pix ou débito em conta, desde que o pedido de parcelamento seja feito antes do vencimento do prazo de 60 dias.
Quem está isento da restituição?
Estão isentos os beneficiários do Bolsa Família, inscritos no Cadastro Único, quem recebeu menos de R$ 1.800,00 no total ou famílias com renda per capita de até dois salários‑mínimos e renda total mensal de até três salários‑mínimos.
Como recorrer caso eu discorde da notificação?
Você pode abrir um pedido de revisão na Ouvidoria do MDS pelo portal Fala.BR ou comparecer a um Centro de Atendimento ao Cidadão, apresentando documentos que comprovem a situação de vulnerabilidade ou erro de cálculo.
1 Comentários
Marcelo Monteiro
É impressionante como o governo consegue transformar uma medida de socorro em uma caça ao tesouro financeiro. Primeiro, anuncia o Auxílio Emergencial como um salva‑vidas para milhões, e depois se surpreende ao descobrir que parte dele foi paga a quem já recebe outros benefícios. Em seguida, decide devolver quase R$ 480 milhões, como se fosse uma simples questão de “recuperar recursos”. As notificações chegam por SMS, WhatsApp e e‑mail, como se fosse um lembrete de pagamento de conta de luz. O prazo de 60 dias é apresentado como razoável, embora muitos ainda estejam desempregados. A priorização pelo maior valor a devolver soa como um algoritmo que favorece quem tem mais dinheiro para devolver, deixando os mais vulneráveis para o final. O caso do Rio Grande do Norte, com 1.783 famílias notificadas, ilustra bem a disparidade regional. As isenções listadas – Bolsa Família, Cadastro Único, renda per capita até dois salários‑mínimos – parecem bem‑intencionadas, mas quem decide esses limites? O Ministério ainda promete um programa de capacitação financeira, como se ensinar gestão de dinheiro resolvesse o problema da falta de emprego. Os sindicatos alertam que 60 dias pode ser impossível, mas o TCU elogia a rapidez da ação. Essa contradição revela um governo que fala de controle, mas age sem observar a realidade das famílias. A inscrição na Dívida Ativa e no Cadin pode impedir crédito futuro, o que é particularmente cruel para microempreendedores. Em suma, a medida mistura boa‑intenção com burocracia pesada, e o resultado pode ser mais sofrimento. A população, então, fica na expectativa de respostas claras, enquanto os números continuam a subir. Essa é a ironia de um auxílio que agora vira dívida. Por fim, resta observar se a devolução será realmente feita de forma justa e eficaz.